BioShoes4all: The Final Step – a conferência revelou o impacto da bioeconomia na indústria portuguesa de calçado

A APICCAPS e o Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP), organizaram em conjunto a conferência “BioShoes4all: The Final Step. O evento reuniu investigadores, empresários e responsáveis políticos para debater o futuro do calçado, e para serem apresentadas algumas das descobertas e implementações dos últimos três anos de projeto.

No dia 16 de outubro de 2025, o Terminal de Cruzeiros de Leixões recebeu a conferência “BioShoes4All: The Final Step”. O evento foi promovido pela APICCAPS e pelo Centro Tecnológico do Calçado de Portugal (CTCP), e teve como objetivo apresentar os principais resultados, dos últimos três anos, do maior projeto de inovação da indústria portuguesa de calçado.

A FashionHub Portugal marcou presença para assistir ao evento, por isso, trago neste artigo um resumo do que vi e ouvi por lá, nomeadamente algumas ideias relevantes e projetos que desafiam o poder disruptivo da moda, ao caminhar de passo firme ao lado da inovação e responsabilidade. Tudo começa na indústria, mas o objetivo é chegar ao consumidor. Na FashionHub Portugal, o nosso propósito é informar o consumidor sobre o impacto das suas escolhas, sobre as alternativas disponíveis e sobre o esforço que dezenas de empresas, marcas e fábricas desenvolvem diariamente para um futuro mais equilibrado, onde a economia circular é uma certeza.

Contudo, antes do resumo da conferência e alguns projetos na prática, convém perceber em que consiste o BioShoes4all.

O que é o BioShoes4all?

O BioShoes4all é um projeto de inovação e capacitação da fileira do calçado para a bioeconomia sustentável e tem como missão (e ambição), tornar Portugal uma referência no setor. Atualmente, em prol da concretização dos objetivos traçados, trabalham 70 parceiros, com um investimento global de 70 milhões de euros, apoiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

5 pilares que sustentam o BioShoes4all

O projeto tem como principal objetivo promover a transição do cluster do calçado para a bioeconomia sustentável e economia circular, através de novos materiais e produtos ecológicos e da adoção de tecnologias de produção, capacitação e promoção de práticas circulares.

  • Biomateriais: Desenvolvimento de novos materiais mais sustentáveis e biodegradáveis. 
  • Calçado ecológico: Criação de produtos com menor impacto ambiental, mais duráveis, reparáveis e seguros. 
  • Economia circular: Implementação de soluções para a valorização de resíduos de produção e do calçado pós-consumo, promovendo um modelo mais circular na cadeia de valor. 
  • Tecnologias avançadas de produção: Utilização de ferramentas digitais, robótica e inteligência artificial para aumentar a produtividade, flexibilidade e competitividade da indústria. 
  • Capacitação e promoção: Qualificação dos trabalhadores e comunicação ampla sobre as inovações para a disseminação de novas práticas e para promover uma sociedade mais sustentável. 

BioShoes4all: The Final Step – a Conferência

A sessão de abertura da conferência contou com intervenções de Luís Onofre, presidente da APICCAPS, Annika Breidthardt, da Comissão Europeia, e João Rui Ferreira, secretário de Estado da Economia, os três oradores sublinharam o papel do setor do calçado como referência de competitividade e sustentabilidade a nível europeu.

Maria José Ferreira, coordenadora do BioShoes4All, efetuou a apresentação dos resultados da iniciativa, destacando a criação de novas soluções e materiais ecológicos, desde biocouros a solas em bioborracha e têxteis recicláveis.

No restante tempo da conferência, empresários, investigadores, responsáveis políticos, membros de associações e instituições de ensino superior, debateram o futuro do setor, com painéis dedicados à reciclagem, aos novos materiais e aos que ainda estão por descobrir e trabalhar, à rastreabilidade, ao potencial do mar enquanto fonte de biomateriais e a uma previsão do que se espera do futuro destas e outras iniciativas, através da capacidade das marcas e do papel preponderante do consumidor.

A FashionHub Portugal destaca algumas ideias-chave dos diversos painéis, a começar por “No Reciclar é que está o ganho”, sendo unânime entre os oradores Cristina Carrola (APA), Filipe Carneiro (LIPOR) e José Pinto da Procalçado, que o ecodesign é uma ferramenta cada vez mais imprescindível para as empresas, não só para reduzir desperdício e a quantidade de água e energia no processo de produção, mas “desenhar melhor para reciclar”, tal como referiu a representante da Agência Portuguesa do Ambiente, de modo a capacitar as peças para a reciclagem e a sua (re)introdução na cadeia de valor.

Filipe Carneiro, da LIPOR esclarece que a empresa tem tido foco em estratégias e ações para concretizar a recolha seletiva de têxteis e calçado para a circularidade, no entanto, explica que os hábitos de consumo ainda estão longe de serem os ideais. Um estudo da LIPOR refere que uma pessoa compra em média dois pares de sapatos por ano e descarta um, porém os dados sobre consumo em segunda mão apontam que 53% das pessoas estão disponíveis para comprar em segunda mão e o que inibe as restantes são fatores como a higiene e a deformidade.

Na vertente dos novos materiais surge um aliado mais provável do que imaginamos e um dos símbolos direto e indireto da história da cultura portuguesa: o Mar. O painel “O mar: um horizonte de possibilidades”, foi composto por Filomena Barreiro (IPB), Manuela Pintado, professora na Universidade Católica e Maria Coelho, da B2E CoLAB, que abordaram toda a potencialidade do mar em várias indústrias, nomeadamente, a da alimentação e cosmética, mas há qual se estão a juntar a do têxtil e calçado.

O que costumas fazer às cascas de bivalves, como o mexilhão, no fim de te deliciares com um saboroso arroz de marisco? Acabam no lixo comum, porque para ti não têm mais utilidade, certo? Mas as investigadoras do painel provam o contrário, é possível que grande parte dessas cascas, algas e outros resíduos pós-consumo oferecidos pelo mar e descartados pelo consumidor, possam ser integrados na produção de calçado.

A B2E CoLAB lançou a Fish Matter, uma plataforma inteligente criada com o objetivo de combater o desperdício de pescado, para transformar subprodutos como cabeças, vísceras e peles em produtos de valor acrescentado. A plataforma estabelece uma ponte de contacto entre produtores de pescado com empresas para parcerias e oportunidades de negócio.

O último painel foi moderado por Cláudia Pinto, da APICCAPS, que mesmo sem bola de cristal fez uma “Visão de Futuro”, juntamente com representantes de marcas e empresas portuguesas, que destacaram a importância da reciclagem da água, a rastreabilidade dos produtos, ao reforçar a utilização do Passaporte Digital de Produto e a importância do consumidor em toda a equação, através de mais informação para mais possibilidades de escolha e responsabilidade.

Paulo Gonçalves, da APICCAPS, apresentou a nova abordagem comunicacional do calçado português, centrada na inovação e na sustentabilidade e no futuro, destacando as campanhas digitais e a aproximação ao consumidor.

Exposição de projetos produzidos a partir do BioShoes4all

Além da Conferência, também existiu uma visita guiada a uma exposição com alguns dos principais projetos desenvolvidos pelas entidades do Consórcio BioShoes4all, uma oportunidade para ver de perto a materialização de calçado produzido a partir de materiais inovadores e de projetos focados na digitalização e rastreabilidade.

Nos novos materiais destacam-se os biocouros, de base vegetal, feitos de extrato de borras de café e do tipo “wet-white”, ou seja, sem crómio. Na imagem abaixo fica o exemplo de uma mochila produzida com couro wet-white com aplicação de extrato da borra de café.

Há calçado produzido a partir da reciclagem e pronto para entrar novamente na cadeia de valor para ser transformado. Mas há também calçado produzido a partir de desperdício, utilizando as sobras das gáspeas (parte superior e dianteira do sapato, que cobre a frente do pé do calcanhar à biqueira), reaproveitadas de calçado recolhido.

Até a casca de arroz tem potencialidade na indústria do calçado, prova disso mesmo é o calçado produzido com solas em bioborracha com casca de arroz e cortiça.

Noutro projeto, já apresentado pela FashionHub Portugal, destacamos a colaboração entre a Lemon Jelly e a Balena, que originou a primeira mala 100% circular, compostável e reciclável do mundo. (recorda o artigo completo, aqui)

Na digitalização, o destaque é para o projeto desenvolvido pela a Aloft e AMF, através de uma plataforma onde são registados todos os passos da produção para dar origem a uma etiqueta inteligente onde estará o Passaporte Digital do Produto, com todas as informações da cadeia de valor e todos os passos da linha de produção. A materialização da iniciativa é feita através de um QR Code na etiqueta do calçado.

O BioShoes4All, é um projeto que reforça as competências e capacidade da indústria portuguesa de calçado, através de inovação, sustentabilidade e competitividade internacional.