O mundo pouco encantado de Temu e Shein: a fraude e irresponsabilidade

Temu, Shein ou Vinted? Será que moda e sustentabilidade são conceitos cada vez mais afastados? Este artigo transforma uma série de perguntas em reflexões sobre consumo.

Temu, Shein ou Vinted? Será que moda e sustentabilidade são conceitos cada vez mais afastados? Este artigo transforma uma série de perguntas em reflexões sobre consumo.

O mundo fervilha com o avanço tecnológico e com a multiplicidade de plataformas digitais que vieram revolucionar a forma como consumimos. Por um lado, sem dúvida que esta será sempre uma grande oportunidade para as marcas encontrarem novos públicos em diferentes localizações geográficas, o que permite também uma expansão da maioria dos negócios a nível internacional.

Contudo, a economia e o meio empresarial vivem de altos e baixos, quase ao nível de uma montanha-russa que funciona ininterruptamente, ou seja, são necessárias alterações e adaptações constantes dos modelos de negócio para, entre outros aspetos, garantir a sobrevivência financeira, o que por vezes coloca em causa aquilo que deveria ser mais importante – a produção. Desta forma, as marcas começam a procurar por matérias-primas e mão-de-obra barata, que tem consequências negativas, tanto a nível social como ambiental. Na vertente social dominam a falta de condições dignas de trabalho e de salários justos e a existência de produtos com componentes nocivos à saúde, quer de quem os produz como dos consumidores. A nível ambiental, o desperdício têxtil que acaba em aterros e pode demorar centenas de anos a decompor-se, a poluição da água e do solo e o uso excessivo de água são alguns dos principais efeitos urgentes a combater.

As marcas e os consumidores têm um papel preponderante para a implementação de soluções. As marcas devem definir e executar um plano estratégico a pensar no fim de vida dos produtos e na responsabilidade social e ambiental, através de técnicas de produção mais responsáveis. Os consumidores devem ter mais espírito crítico, questionar as marcas sobre as suas práticas, tentar saber mais sobre sustentabilidade, verificar a etiqueta dos produtos antes de efetuar uma compra (onde consta informação sobre a composição e origem das peças) e reduzir o consumo.

Este seria o cenário ideal, mas nem sempre é isto que acontece e há um denominador comum que justifica esta situação, o preço. Com isto, refiro-me ao investimento que tem de ser feito por parte das marcas para melhorar infraestruturas e adaptar-se a um sistema assente em sustentabilidade económica, ambiental e social, mas também ao preço pago pelo consumidor final, que por variadas circunstâncias, principalmente o salário que a maioria da população recebe, tem de fazer opções que nem sempre são as mais éticas.

No entanto, alguns estudos, incluindo um que realizei em 2022 sobre o consumidor de moda sustentável em Portugal, apontam que há uma discrepância entre a intenção de compra e o ato de comprar propriamente dito, resumindo: a maioria dos consumidores tem consciência dos efeitos nocivos da fast fashion e demonstra preocupação com questões relacionadas com a sustentabilidade, mas não efetua compras tendo isso em consideração, principalmente devido ao preço, tal como mencionei anteriormente. O consumidor também refere que necessita de informação mais clara e honesta por parte das empresas de moda.

Deste modo, a missão das marcas torna-se ainda mais complexa, daí ser urgente repensarem as suas ações e não praticarem greenwashing.

Apesar de existirem marcas que lutam todos os dias por entregar uma proposta de valor que preencha todos os requisitos sustentáveis enumerados, na balança dos negócios as consequências negativas podem acabar por ter mais peso, o que pode levar ao fecho de marcas porque não conseguem fazer face ao investimento avultado que os processos mais responsáveis exigem.

Todo o cenário descrito até agora abre caminho a um dos maiores flagelos dos últimos anos, o surgimento de plataformas e-commerce de marcas que não cumprem qualquer requisito associado a sustentabilidade e promovem o consumo desenfreado, como o caso das chinesas Temu e Shein. Contra esta maré têm surgido plataformas de compra e venda em segunda mão, com destaque para a Vinted.

Toda a introdução deste artigo foi essencial para se perceber mais afundo a origem do problema, porque mais informação leva a melhor decisões de consumo. No entanto, nem tudo é linear e ainda há um longo e sinuoso caminho pela frente.

A partir de agora vou focar-me em apresentar alguns dados sobre estas plataformas digitais em Portugal, de que forma praticam concorrência desleal na União Europeia e uma análise sobre as medidas que estão em fase de aprovação para se conseguir enfrentar estas marcas.

Shein, Temu e Vinted: como foram recebidas em Portugal?

Para iniciar esta parte do artigo vou deixar mais duas questões, para que cada pessoa reflita acerca disso: será que alguma marca é verdadeiramente 100% sustentável? Será que o Made in Portugal é totalmente sustentável?

Estas são duas perguntas complexas para se responder, na minha perspetiva talvez nenhuma marca se torne um dia 100% responsável, por variados motivos: desde a presença digital; o gasto de energia e água; a distribuição dos produtos. No entanto, um facto, é que existem cada vez mais marcas conscientes e que estão a melhorar os seus processos produtivos e de distribuição, efetuando uma gestão mais otimizada das matérias-primas utilizadas, e a optar por deadstock que serve para entrar na cadeia de produção novamente.

Contudo, o que se pretende não é desmoralizar projetos, pelo contrário. Esta indicação serve de alerta para que se repensem formas de trabalho e produção, um incentivo para que as marcas assumam um compromisso de responsabilidade, façam a diferença num mercado tão sobrecarregado e definam com cuidado e rigor os valores que vão ter de cumprir.

Será que as marcas nunca viram a sustentabilidade como um compromisso, mas sim uma tendência? Talvez seja uma questão que não pode ser analisada de forma tão leviana, mas o objetivo é fazer-te pensar, já que a mentalidade do consumidor é algo impossível de alterar ou pelo menos demora muitos anos até ser alcançado. É um desafio, mas por isso é que surgiu uma comunidade como a FashionHub Portugal, para democratizar a informação.

Apresento-te agora alguns números aos quais deves prestar atenção: no ano 2024, a Temu foi a aplicação móvel mais descarregada em Portugal, com 1,8 milhões de downloads. A Shein com mais tempo no mercado nacional, conta já com praticamente 4 milhões de utilizadores, em Portugal.

Estes são valores que nos devem preocupar, principalmente tendo em consideração o número total da população portuguesa. O meu otimismo, por um lado, quer acreditar que as pessoas possam ter descarregado estas aplicações para testar como funcionam, confesso que eu própria fiz isso, para perceber a forma como operam, mas não efetuei nenhuma compra. No entanto, é tentador ver uma oferta tão alargada de produtos a preços tão apetecíveis, por isso, não sou assim tão ingénua para acreditar que todas as pessoas que descarregaram a aplicação para os seus telemóveis tenham tido o mesmo comportamento que eu.

Por seu turno, a Vinted foi a terceira aplicação mais descarregada, o que nos leva novamente a um paradoxo complexo sobre o comportamento de compra dos consumidores.

Para garantir um processo mais “transparente”, a Vinted e também a OLX passaram a comunicar à Autoridade Tributária quem são os vendedores com atividade acima de 30 transações anuais ou valor superior. Esta medida visa garantir a transparência fiscal e a proteção das práticas desleais.

Já não se pode dizer o mesmo de Temu e Shein acusadas de fraude pelo Tribunal Europeu de Contas.

A relação da União Europeia com Temu e Shein

O Tribunal Europeu de Contas refere que marcas como Temu e Shein causaram um prejuízo de 89 mil milhões de euros à União Europeia, por não pagarem impostos.

As outras empresas do setor são categóricas e não têm dúvidas de que se trata de uma fraude, vantagem competitiva em relação a empresas europeias e concorrência desleal.

Para fazer frente a estes dados, a União Europeia propôs recentemente que fosse aplicada uma taxa mínima de 2 euros para encomendas de baixo valor (inferiores a 150 euros) provenientes de plataformas de comércio eletrónico como a Temu e a Shein. No entanto, ainda tem de ser aprovada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu.

Proposta para taxar a Temu e Shein:

  • Taxa de 2 euros: aplicada a encomendas enviadas diretamente ao consumidor final.
  • Taxa de 0,50 euros: para as encomendas que têm de passar por armazéns dentro da União Europeia.

Em Portugal, as empresas do setor têxtil e de vestuário consideram que a taxa de 2 euros é insuficiente para proteger a indústria nacional e propõe uma taxa de 20 euros para encomendas provenientes da China.

Se a medida for aprovada, os preços finais para os consumidores pode ser afetado, assim como, as estratégias logísticas destas plataformas, com a introdução de mais armazéns dentro da União Europeia para reduzir custos.

Esta taxa de 2 euros será mesmo suficiente, para alguém que já paga tão pouco por um produto? Será que não incentiva ainda mais o consumo, ou seja, a lógica de comprar mais para compensar um aumento?

E tudo o resto: os produtos nocivos utilizados para a confeção dos produtos destas marcas; as condições desumanas em que se trabalha nas fábricas que produzem Shein e Temu e com salários indignos… Que medidas podem ser tomadas em relação a isto? O que nos espera o futuro?