Reciclagem Têxtil: de um propósito ao negócio

Segundo a Fundação Ellen MacArthur, menos de 1% de toda a roupa produzida no mundo é reciclada. Isto é o ponto de partido para este artigo, cujo foco é o desperdício têxtil gerado por cada indivíduo, tanto na Europa como em Portugal; que quantidade desses resíduos pós-consumo conseguem ser reaproveitados através da reciclagem para dar uma nova vida às peças de roupa; e o impacto destes números na Indústria da Moda.

Este artigo apresenta alguns dados (preocupantes) obtidos através de estudos desenvolvidos por diversas organizações. O foco é o desperdício têxtil gerado por cada indivíduo, tanto na Europa como em Portugal; que quantidade desses resíduos pós-consumo conseguem ser reaproveitados através da reciclagem para dar uma nova vida às peças de roupa e o impacto destes números na Indústria da Moda.

Antes de avançar convém explicar o que são resíduos pós-consumo. Os resíduos pós-consumo são o resultado do descarte de produtos pelos consumidores. A reciclagem destes resíduos permite a recuperação do seu valor económico porque existirá um reaproveitamento da matéria-prima, mas contribui também para um desenvolvimento sustentável ao diminuir o volume de peças de roupa que termina num aterro e que poderá demorar anos a decompor-se, implicando graves problemas para os ecossistemas naturais.

Nunca é demais recordar que a Indústria da Moda é uma das mais poluentes do mundo e que nos últimos anos tem lidado com desafios exigentes: mais restrições ao nível da produção, que começam agora a ser implementadas e outras leis e normas que estão quase a tornar-se efetivas neste meio, como o Passaporte Digital do Produto. Os desafios ambientais e sociais continuam a estar na origem dos principais problemas deste setor, vejamos alguns dados do impacto em todo o mundo:

  • 85% da utilização de matérias-primas.
  • 92% da utilização de água.
  • 93% da utilização do solo.
  • 76% das emissões de CO².

Segundo a Fundação Ellen MacArthur, menos de 1% de toda a roupa produzida no mundo é reciclada e outros 12% dos resíduos têxteis transformam-se em produtos de menor valor, que servem para enchimento de colchões, almofadas ou panos.

Estes números devem-se em grande parte à fast fashion, devido à fraca qualidade das peças com uma composição pouco cuidada e à “facilidade” que o consumidor tem em descartar roupa para se render às tendências voláteis promovida pelas marcas deste segmento.

A reciclagem de tecidos ainda é um desafio e não há recursos tecnológicos suficientes para mecanicamente ou quimicamente, reciclar as roupas em larga escala e transformar esses resíduos em fibras de alta qualidade.

Os dados recentemente divulgados pela Agência Europeia do Ambiente (AEA) sobre a Diretiva-Quadro Resíduos (DQR) revelam que cada europeu produziu em 2020 cerca de 16 quilos de resíduos têxteis, dos quais apenas um quarto (4,4 kg) foi recolhido separadamente para reutilização e reciclagem. O restante terminou em resíduos domésticos mistos. A diretiva determina que a partir de 2025 os Estados-Membros da União Europeia devem estabelecer sistemas de recolha para têxteis usados.

Os vários pacotes legislativos que estão a ser negociados no bloco europeu contemplam ainda a proibição de incineração ou colocação em aterro de têxteis, a responsabilidade alargada do produtor sobre os resíduos, o condicionamento nas exportações de têxteis usados para países terceiros, nomeadamente para África e a obrigatoriedade de incorporação de matérias-primas recicladas em novas peças.

Convém referir que a análise concluiu também que do total de resíduos têxteis, a estimativa aponta que 82% se tratam de resíduos pós-consumo, ou seja, provenientes dos consumidores e o restante provém da indústria transformadora ou têxteis que nunca chegaram a ser vendidos.

O panorama da reciclagem em Portugal

Olhemos para o panorama em Portugal e para o balanço efetuado por sete entidades com pontos de recolha de vestuário usado, que no total detêm 8.975 contentores espalhados pelo país, em que todos os anos são recolhidas 26.800 toneladas de resíduos têxteis em Portugal. Segundo os dados obtidos pela Agência Portuguesa do Ambiente, em 2017 foram recolhidas dos contentores de resíduos urbanos cerca de 200.756 toneladas de resíduos têxteis, o que representa aproximadamente 4% do total de resíduos produzidos no país.

Estes números estão a impulsionar o mercado da reciclagem um pouco por todo o mundo, em particular na Europa. A Euratex lançou a ReHubs, uma iniciativa que pretende criar 150 a 250 novos centros de reciclagem na Europa nos próximos anos, com o objetivo de reciclar até à fibra 2,5 milhões de toneladas de resíduos têxteis na Europa até 2030. Mais recentemente lançou o RegioGreenTex, que inclui entidades portuguesas: CITEVE, Sasia e Tintex, para definir a estratégia, o roadmap e as atividades relacionadas para criar ecossistemas tangíveis de têxteis circulares e espera que dos cinco centros previstos, seja desenvolvido um protótipo de reciclagem têxtil a ser replicado noutras regiões.

Até os grandes grupos fast fashion têm estado a desenvolver projetos nesta área. A Inditex, por exemplo, está a financiar parcialmente a associação Moda re-, em Espanha, para que esta expanda as suas unidades e aumente a capacidade de seleção, processamento e reciclagem de vestuário usado. Outra iniciativa, esta fora da Europa, é o Green Machine do Instituto de Pesquisa de Têxteis e Vestuário de Hong Kong, que apoiado pela H&M consegue reciclar têxteis produzidos a partir de diferentes materiais.

Um negócio de milhões de euros

A consultora McKinsey & Company desenvolveu em 2022 o estudo “Scaling textile recycling in Europe – turning waste into value”, em que as principais conclusões são que a reciclagem têxtil pode gerar um mercado de seis a oito mil milhões de euros e originar cerca de 15 mil postos de trabalho na Europa até 2030. Esta análise indica que cada europeu produz em média mais de 15 Kg de resíduos têxteis por ano e, em 2030, este valor poderá atingir os 20 Kg (um aumento de mais de 30%).

Assim sendo, «a taxa de reciclagem têxtil poderá aumentar para 50% a 80% até 2030 e, consequentemente, a economia circular para a produção de fibras têxteis para novos artigos de vestuário a partir de resíduos têxteis poderá escalar entre 18% e 26%».

O âmago dos projetos de reciclagem têxtil tem estado no Norte da Europa, principalmente reciclagem química, sobretudo de fibras celulósicas, com empresas como a Infinited Fiber, a empresa sueca Renewcell e Södra a terem avanços considerados promissores. Os processos de reciclagem química estão igualmente a ser aplicados a fibras sintéticas, onde se destacam empresas como a Ambercycle e a Circ.

Já a reciclagem mecânica é aquela que frequentemente é mais usada no mercado, devido ainda ao pouco investimento na área (apesar de diversas empresas estarem a trabalhar nisso) e ainda ao avanço tecnológico que continua a evoluir para melhorar processos. A reciclagem mecânica possui algumas vantagens como uma menor necessidade de energia e desvantagens como a redução do comprimento da fibra, que limita as aplicações em circuito fechado.

Em Portugal, existem diversas empresas que são uma referência no setor da reciclagem têxtil e que estão a aumentar a capacidade produtiva e a estudar novas possibilidades, quer ao nível da eficiência dos processos e para novos tipos de reciclagem, são os casos das empresas J. Gomes, Sasia, Jomafil e Valérius.

Esperemos que este “fenómeno” não se transforme apenas num modelo de negócio à espera dos lucros e que tenha sempre como propósito principal ajudar a atenuar o desperdício têxtil, assim como promover uma produção mais consciente por parte das marcas.

Na minha perspetiva continua a ser importante que haja uma diminuição do consumo, para uma consequente diminuição de resíduos. Por isso, a reciclagem é uma alternativa viável, mas os consumidores e as marcas continuam a ter um papel preponderante nas boas práticas  que contribuem para o futuro da indústria Têxtil e de Vestuário.

Aqui na FashionHub já sugeri várias formas para iniciares a tua jornada mais sustentável, tais como: estar atento à etiqueta das tuas peças de roupa, que indicam a origem e composição; pensar antes de comprar se precisas mesmo de determinada peça de roupa; optar pela segunda mão sempre que possível e consideres um investimento viável; trocar roupas com os amigos, pois o que já não serve para uma pessoa, pode cobrir as necessidades de outra; fazer doações, e aqui ter atenção a que entidades fazes essa distribuição, que tipo de negócio fazem e tentar obter mais informação sobre as suas práticas e destino final e real das peças de roupa.