Fast Fashion: as marcas tentam corresponder à legislação da União Europeia

A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, ficando apenas atrás da petrolífera. É responsável por cerca de 20% das águas residuais do planeta e por cerca de 10% das emissões mundiais de gases com efeito de estufa. A União Europeia pretende alterar este cenário, através de uma legislação mais apertada para as empresas do setor. Será que algum dia vai conseguir? Serão as medidas suficientes?

É certo que algo está a mudar na indústria da moda e que as marcas e os consumidores estão cada vez mais sensíveis às questões relacionadas com a sustentabilidade ambiental. No entanto, há ainda um longo caminho a percorrer para uma mudança de hábitos e implementação de estratégias que permitam às empresas um desenvolvimento sustentável, com o objetivo de preservar o planeta.

A União Europeia (UE) criou um pacote de medidas para as empresas do setor têxtil, na esperança de ver a fast fashion perder cada vez mais fôlego no que toca às iniciativas das marcas e, consequentemente, nas escolhas dos consumidores.

No âmbito de algumas das medidas estabelecidas pela UE está o processo de seleção, processamento e reciclagem de resíduos, o que fez muitas empresas criarem soluções de negócio neste sentido.

Uma destas empresas é a Moda Re-, parcialmente fundada pela Inditex, possui um armazém nos arredores de Barcelona, onde todos os dias há trabalhadores que selecionam, t-shirts, calças de ganga e vestidos usados, para serem reutilizados ou reciclados. Segundo Albert Alberich, o diretor da Moda Re-, que faz parte da associação Caritas em Espanha e gere a segunda maior cadeia de moda em segunda mão no país, o objetivo é transformar roupa usada em matéria-prima.

É apenas o início! Vamos cada vez mais transformar roupa usada em matéria-prima da Europa para as empresas de moda.

Albert Alberich, diretor da Moda Re – Agência Reuters

Também em Espanha, várias retalhistas como a H&M, a Mango e o grupo Inditex, criaram uma associação sem fins lucrativos para gerir os resíduos de vestuário, respondendo a uma lei da UE que exige que os Estados-Membros façam a recolha seletiva de têxteis a partir de janeiro de 2025.

A Comissão Europeia, em julho deste ano, classificou a produção e venda de vestuário a preços baixos e com um curto tempo de utilização – a fast fashion -, como “altamente insustentável”. Acrescenta ainda que a indústria têxtil é um dos grandes contribuidores para as mudanças climáticas.

A recolha para reciclagem e reutilização de resíduos têxteis tem aumentado gradualmente em vários países europeus desde 2010, pelo menos é o que revela um estudo da UE de 2021.

Apesar dos esforços que têm sido efetuados, dados da Comissão Europeia em  julho de 2023, revelam que apenas menos de um quarto dos 5,2 milhões de toneladas de resíduos têxteis da Europa é reciclado e milhões de toneladas acabam todos os anos em aterros.

Um dos maiores grupos de marcas fast fashion, a Inditex, detentor da Zara, revelou que em março colocou mais 10% de produtos de vestuário no mercado, do que ano passado e do que em 2021. A empresa pretende usar 40% de fibras recicladas em vestuário até 2030 como parte dos objetivos de sustentabilidade anunciados em julho.

A Inditex refere que vai investir 3,5 milhões de euros na Moda Re- durante os próximos três anos e que tem contentores de reciclagem em todas as suas lojas em Espanha.

Por sua vez, a H&M, em declarações à Reuters, assume que é “parte do problema” e que “a forma como a moda é produzida e consumida precisa de mudar”.

O percurso da mudança nem sempre é fácil

Apesar de existir vontade e consciência de que é necessário mudar o atual paradigma da indústria da moda, há diversos obstáculos que tornam o caminho para reduzir os resíduos bastante sinuoso. Tudo isto, apesar da legislação europeia, do compromisso da indústria com padrões de sustentabilidade e de iniciativas como a Moda Re-.

Contudo, um estudo realizado pela consultora Mckinsey, refere que para cumprir a meta de reciclar 2,5 milhões de toneladas de resíduos têxteis até 2030 são necessárias centenas de fábricas semelhantes.

Para já são catorze empresas de reciclagem têxtil na Europa com planos para aumentar a sua capacidade de produção, indica a Fashion For Good A organização de investimento em startups de fibras recicladas inquiriu 57 empresas de reciclagem num estudo de setembro de 2022.

A Euratex criou a Rehubs Europe, com o objetivo de garantir resposta às necessidades, de modo a cumprir a meta de 2030. Nessa altura, a UE espera que a maioria dos produtos sejam feitos de fibras recicladas. Menos de 1% do vestuário é atualmente reciclado desta forma e os processos ainda se encontram em fase de desenvolvimento.

O projeto Moda Re-

O vestuário que chega ao armazém da Moda Re- em Barcelona, é proveniente de mais de 7.000 contentores de donativos em supermercados e nas lojas da Zara e da Mango. As máquinas de infravermelhos doadas pela Inditex identificam as fibras das peças de vestuário para acelerar a seleção, que em grande parte é feita manualmente.

Quase metade das roupas doadas à Moda Re- são enviadas para países africanos para revenda, incluindo Camarões, Gana e Senegal. A Moda Re- afirma que essas peças de vestuário podem ser reutilizadas.

De acordo com os dados das Nações Unidas, a UE exportou 1,4 milhões de toneladas de têxteis usados em 2022, mais do dobro do que em 2000. E, claro, nem todo este vestuário é reutilizado e as exportações de roupa usada da Europa para África podem levar a graves problemas de poluição quando não são revendidas e acabam em aterros.

Fonte: Moda Re-

As regras propostas pela Comissão Europeia procuram restringir as ações de empresas mal intencionadas e que exportam vestuário estragado diretamente para os aterros. Por este motivo, vai exigir aos países que demonstrem a sua capacidade para gerir a sustentabilidade dos materiais.

Outras iniciativas

A marca de sportswear Puma tem parcerias com a empresa de recolha e seleção de vestuário I:CO na Alemanha, a Texaid na Suíça e a Vestisolidale em Itália.

A Adidas, a Bestseller e a H&M investiram na startup finlandesa Infinited Company, que produz fibra a partir de resíduos têxteis e outros materiais, como o cartão e o papel.

As propostas de legislação europeia incluem regras para que os retalhistas contribuam nos números de recolha de vestuário usado para reutilização e reciclagem. A mesma medida propõe que os retalhistas, em princípio, terão de pagar uma taxa de cerca de 0,12 euros por artigo vendido na sua região, sendo as taxas mais altas para o vestuário que é mais difícil de reciclar.

Estes dados sobre empresas foram recolhidos através de uma análise efetuada pela Reuters. A agência noticiosa inquiriu 10 empresas de moda, incluindo a Adidas, a H&M e a Primark, sobre como as taxas poderiam afetar a sua rentabilidade. Porém, nenhuma fez uma estimativa, apenas ressalvaram que o ideal é as taxas serem as mesmas em toda a UE.