Design 3D e Inteligência Artificial: as vantagens para a Moda e a importância da aprendizagem

Neste artigo escrevo sobre o que considero ser a fusão perfeita entre Design 3D e a Inteligência Artificial para a Indústria da Moda.

Trabalhos 3D - Daniela Nascimento

A inovação tecnológica tem permitido que vários setores de atividade evoluam nas mais diversas vertentes, seja na descoberta de novas técnicas de produção, novos produtos, ou na implementação e abordagem de uma nova forma de se apresentarem e comunicarem.

A Indústria da Moda tem sido um dos setores onde se tem verificado a introdução de técnicas cada vez mais completas e eficientes, que reconfiguram e complementam os processos criativos e produtivos. O Design 3D e a inteligência artificial (IA) surgem como protagonistas desta mudança, ao implementar alternativas ao consumo e à produção, através de um processo mais sustentável.

É certo que ainda existe um longo e sinuoso caminho para trilhar, no entanto, as marcas nacionais e internacionais têm feito de tudo para tentar encontrar um equílbrio na execução destes novos processos.

Neste artigo escrevo sobre o que considero ser a fusão perfeita entre Design 3D e a Inteligência Artificial para a Indústria da Moda, mas também sobre a importância que os designers inseridos no mercado de trabalho, assim como estudantes, marcas, equipas de produção e restante comunidade que trabalha na área da Moda devem dar a estes novos processos tecnológicos. Para isso, vou analisar as principais vantagens; algumas formas de aplicação no mercado internacional; apresentar um dos principais cursos de Design 3D em Portugal; e mostrar exemplos aplicados no mercado nacional, nomeadamente, na Impetus, Salsa e marcas de vestuário do Grupo Sonae.

Para sustentar as informações divulgadas conversei com Daniela Nascimento, designer de moda especialista em técnicas de design e modelagem 3D, finalista na mais recente edição do concurso Workstation New Media promovido pela Associação ModaLisboa e formadora do Curso de Curta Duração Clo 3D, na ESAD, que partilha neste artigo alguma da sua experiência profissional.

Definição de Design 3D

O desenvolvimento da modelagem de peças de roupa é o processo  mais importante para as equipas de design, não só para desenvolverem a sua proposta, mas também porque é a definição daquilo que vão apresentar às diferentes equipas de uma marca, para isso são produzidas amostras dos produtos. Uma amostra corresponde a uma peça que é feita gastando todos os recursos da produção final desde água, energia, algumas substâncias para o tingimento, diferentes tecidos, ou seja, a utilização de matérias-primas, como algodão, seda, linho, entre outros, que pode resultar em desperdício.

As amostras permitem que tanto os designers, como as restantes equipas de trabalho, tais como, a equipa de confeção e de controlo de qualidade, visualizem e experimentem esses moldes com o objetivo de ajustarem possíveis defeitos detetados ou reformularem toda a peça por outro motivo que considerem apropriado.

Assim, para a Indústria da Moda, tornou-se imperativo encontrar soluções viáveis para colmatar os impactos negativos que a criação de moldes físicos proporciona, como o desperdício têxtil e mais emissões de gases do efeito de estufa, provenientes de materiais e processos de produção.

A alternativa encontrada foi o desenvolvimento de um protótipo virtual em três dimensões (3D), que permite uma noção real da peça, mesmo sem tocar e experimentar de forma física. É possível experimentar as peças de roupa de forma virtual e tendo em consideração os diferentes tipos de corpo humano, permitindo que sejam efetuados os ajustes necessários. Esta nova ferramenta economiza tempo e recursos no processo de produção. A modelagem 3D conta com uma ajuda preciosa da Inteligência Artificial, sendo possível criar um avatar que experimenta diversas peças, de diferentes tamanhos e se movimenta de forma a ser percecionado o caimento das peças: se são mais ou menos justas dependendo do efeito pretendido, se são práticas, entre outros aspetos fundamentais de acordo com a categoria de produto. Por exemplo, as marcas de desporto têm de perceber se a roupa de treino é eficiente em todos os movimentos.

Trabalho 3D – Daniela Nascimento

O design 3D é utilizado tanto para criar peças exclusivas como para produzir em massa para lojas de várias marcas.

Este tipo de design tem diversas vantagens, algumas já enumeradas, como a poupança de recursos e o ajuste de tamanhos com precisão. Porém, apresento em seguida mais alguns fatores que fazem desta prática mais do que uma tendência, uma necessidade.

Vantagens da modelagem através de Design 3D

Precisão de medidas

A produção de peças com as medidas certas e a criação de um provador virtual para os consumidores permite diminuir o número de devoluções online em 20% e promete uma taxa de conversão das vendas online em cerca de 10%.

Otimização do tempo

A modelagem 3D otimiza entre 50% a 80% do tempo de trabalho com todas as etapas do processo produtivo incluidas, desde a criação do molde até à produção em massa das peças.

Diminuição de custos

  • Redução de amostras físicas em 50%

Redução de custos com protótipos físicos, já que é possível testar e validar o design virtualmente, antes de investir em matérias-primas e processos produtivos.

  • Redução de Stock em cerca de 30%

É possível efetuar uma gestão mais eficiente dos stocks, corrigir de forma mais rápida possíveis defeitos nas peças de roupa, o que pode evitar desperdício de recursos e permite uma redução de custos para as marcas.

Sustentabilidade Ambiental

Por vários aspetos enumerados neste artigo, a sustentabilidade ambiental é uma das vantagens mais evidentes da modelagem 3D para a Indústria da Moda, através da gestão de recursos, das técnicas de produção e da diminuição da pegada carbónica nas deslocações de amostras físicas.

  • Reduz mais de 50% das emissões de CO₂.
  • Reduz 40% do consumo de água.
  • Reduz 50% do consumo de energia.
  • Diminui o desperdício têxtil.

Facilidade e rapidez na modificação de peças de roupa

Com o uso de softwares de modelagem 3D podes modificar as peças virtualmente e online, mantendo o inicial como protótipo.

Porém, a facilidade de alteração da modelagem 3D depende do software utilizado. Alguns softwares 3D são mais intuitivos e fáceis de usar, enquanto outros exigem mais habilidade e prática para criar modelos complexos.

Softwares de Design 3D

Os profissionais que trabalham na área da moda precisam de estar atentos às mudanças para se conseguirem adaptar. Saber o que é modelagem 3D pode ajudar neste processo, trazendo mais agilidade, precisão e qualidade para a produção, além de diminuir o desperdício têxtil e de outros recursos. Para quem ainda está a estudar, espero que este artigo também ajude a elucidar sobre a importância destes conceitos, mas também sobre a aprendizagem especializada dos mesmos, assim como de ferramentas que permitem trabalhar o design 3D.

Os softwares de modelagem 3D são mais rápidos, eficientes e podem revolucionar o trabalho manual, ajudando a otimizar criatividade e inovação.

As marcas recorrem a softwares e/ou empresas especializadas nestes serviços para melhorarem a sua performance nesta vertente: Clo 3D; Browswear; MySize; sampLess; Style 3D; Marvelous Designer; Optitex.

Ainda neste artigo vou apresentar o curso de curta duração da ESAD especializado em Clo 3D.

Outras formas de aplicar o Design 3D e Inteligência Artificial na Moda

Para além de ser útil na produção de amostras das peças de roupa, o Design 3D e a Inteligência Artificial são aplicados em diversos componentes que estão a reformular o consumo. Estas aplicabilidades ajudam os consumidores no processo de compra e apoiam as marcas a otimizar serviços, diminuir recursos e a promover os seus produtos.

Alguns exemplos surgiram com o aumento de compras e-commerce, principalmente na altura em que a Covid-19 parou o Mundo e milhares de lojas viram-se obrigadas a encerrar portas temporariamente. As empresas perceberam a potencialidade das novas tecnologias e tiraram o melhor proveito possível, para implementar provadores de roupa virtuais e para as suas estratégias de marketing e comunicação.

Um dos exemplos de provadores de roupa virtual foi implementado pela Bershka em diversas lojas físicas, incluindo no Centro Comercial Colombo, em Portugal. Através da realidade aumentada, estes provadores combinam peças físicas e virtuais para os consumidores perceberem de que forma conseguem conjugar as suas peças e ao mesmo tempo efetuar partilhas diretamente nas suas redes sociais, basta aceder através do código QR dentro do provador.

A Google lançou a ‘Virtual Try-On’ (Provador Virtual, em português), uma ferramenta que utiliza inteligência artificial (IA) generativa para simular como as peças de roupa ficariam em diferentes tipos de corpo. Segundo a empresa, a tecnologia é capaz de exibir, de forma realista, o caimento da roupa em cada tipo de corpo, com dobras, rugas e sombras. Além disso, a plataforma passou a oferecer filtros de pesquisa mais avançados, que permitem experimentar produtos  semelhantes e refinar os resultados por estilo e cor. Estas funcionalidades, para já, estão apenas disponíveis nos EUA, apenas para um número reduzido de marcas, onde se incluem a Everlane e H&M

Por outro lado, a Zara, uma das principais marcas do grupo Inditex, utiliza a inteligência artificial para melhorar os seus processos de produção, marketing e atendimento ao cliente, através da análise detalhada dos dados de todos os consumidores, por exemplo, que peças de roupa compra mais, em que cores e a que preços.

Contudo, voltemos à integração do Design 3D, para explicar que diversas marcas apostam nesta forma de design e uma integração com a inteligência artificial para apresentarem os seus produtos através de amostras ou catálogos digitais, mas também para a produção de campanhas publicitárias. A Jacquemus é uma das marcas mais reconhecidas pelas suas campanhas extravagantes, uma das mais conhecidas consiste no modelo de carteira mais característico da marca em formato gigante estar a “passear” pelas ruas de Paris, tudo virtualmente. A campanha parece real, mas é realizada com recurso a inteligência artificial e tornou-se viral em todo mundo, conquistando clientes da marca e diversos entusiastas por moda.

Deixamos o vídeo com o exemplo da Jacquemus, mas continua a ler o artigo para ver o que andam a fazer as marcas portuguesas.

As marcas portuguesas no mercado do Design 3D

Durante a pandemia Covid-19 foram muitas as marcas que aproveitaram para investir na transição digital e adotaram novas estratégias e ferramentas para os seus modelos de negócio, o mercado nacional não foi exceção.

A Impetus, marca portuguesa dedicada ao segmento de roupa interior, introduziu o software Clo 3D para o desenvolvimento da modelagem dos seus produtos, atualmente também as campanhas publicitárias da marca são totalmente digitais com o auxílio da Inteligência Artificial.

Fonte: DMIx

A Salsa (re)conhecida no mercado pelas suas calças de ganga, participou em 2023 num projeto-piloto em parceria com o software de inteligência artificial Smart Catalogue, da empresa israelita My Size, com o objetivo de otimizar tamanhos na fase de design e reduzir os artigos não vendidos.

Salsa | MySize

A Zippy, marca da Sonae, lançou em 2022 um serviço inovador aos seus clientes: um catálogo em formato digital com os produtos em 3D. Os clientes só precisavam de aceder através de uma aplicação para web, onde conseguiam experimentar artigos em realidade aumentada. A aplicação surgiu no âmbito de uma parceria com a NOS, que forneceu à loja Zippy no NorteShopping a ligação de 5G.

Entrevista a Especialista em Design 3D: Daniela Nascimento

A FashionHub esteve à conversa com Daniela Nascimento, licenciada em Design de Moda e Têxtil, pela ESART, formou-se também em Digital Printing, na Central Saint Martins.

A designer de moda tem mais de 10 anos de experiência, passou por várias empresas nacionais: esteve no Grupo Sonae, onde colaborou com projetos para a Zippy e MO, fez também parte da equipa de designers da SportZone e da Prozis.

Durante a pandemia de Covid-19, Daniela Nascimento começou a trabalhar a partir de casa, e foi também nessa altura que o mundo da moda e dos negócios se alterou. As pessoas já não consumiam da mesma forma, nem os mesmos produtos, as lojas encerraram e foi necessário pensar em alternativas para o novo mundo que estava a moldar-se à sua volta.

1 – Como é que se dedicou ao Design 3D?

Daniela Nascimento (DN): “Nesta altura (da pandemia Covid-19) comecei a refletir sobre diversas questões: de onde vem este produto?; onde é que este produto está a ser feito e em que condições?; com que materiais?; qual é a origem desses materiais?; que recursos estou a gastar? A partir do momento em que comecei a fazer estas perguntas e a não obter uma resposta para todas, interessei-me em saber mais… Não sei o momento concreto em que decidi dedicar-me ao Design 3D, mas uma das coisas de que me lembro é de ver o trabalho de uma marca holandesa, a “The Fabricant” (ver vídeo abaixo com exemplo), que produz tudo de forma digital, talvez aí tenha surgido o “clique” acerca da alternativa perfeita para mim (risos). Foi a primeira vez que eu vi algo em 3D direcionado para a moda.”

The Fabricant

2 – Quais são os principais desafios e benefícios para um designer dedicar-se ao Design 3D?

DN: “Para um designer ou para um modelista é uma mais-valia enorme, porque não temos que esperar por uma amostra, que pode ter de percorrer milhares de quilómetros de distância. Trabalhar um produto de forma digital é exigente porque temos de otimizar criatividade e o trabalho no software para que tudo seja bem detalhado. No entanto, não se perde tempo, poupam-se recursos e a pegada carbónica que resultaria das deslocações também passa a não existir. A principal vantagem é sem dúvida a sustentabilidade, pelos aspetos que acabei de mencionar, mas também enquanto profissionais temos mais facilidade de trabalhar uma peça quase instantaneamente através do recurso ao 3D e inteligência artificial, isso permitiu-me ser uma designer mais assertiva e eficiente.

No início foi muito complexo, porque é uma área muito abrangente e com pouca abordagem em Portugal, seja a nivel académico ou profissional, porque a maioria das marcas ainda não trabalhava com estas ferramentas. A maioria dos exemplos que ainda hoje encontro são de marcas internacionais (risos). Além de produzir em 3D, decidi começar a ensinar 3D para que outros designers possam seguir o mesmo caminho que eu e no futuro todos os designers estejam prontos e preparados para trabalhar com este processo.”

3 – Que fator(es) considera que pode(m), neste momento, estar a bloquear o mercado nacional para introdução do 3D?

DN: “Eu penso que é o investimento finaceiro. A implementação destes processos tem os seus custos, quer no equipamento, software, nas equipas especializadas e é algo que não tem propriamente um retorno num curto espaço de tempo, mas sim a longo prazo. As empresas estão dispostas a  investir, mas para ter um retorno imediato.

Porém, penso que os benefícios que podem receber a longo prazo superam todas estas questões. No entanto, acredito que é algo que não deve ser propriamente imposto, mas sim explicado numa primeira fase, para que os próprios colaboradores se sintam com a missão de melhorarem a produtividade da empresa, percebendo as vantagens e como o desenvolvimento do seu trabalho pode melhorar, assim como o respetivo produto final. A ideia de que tudo isto pode e deve ser feito em equipa torna muito mais fácil o processo de inserir as pessoas num determinado projeto.”

4 – Como surgiu o convite para dar formação no curso de curta duração da ESAD?

DN: “Para contextualizar, eu trabalho com o software Clo 3D. Foi uma opção minha porque considero uma das ferramentas mais completas e intuitivas. Em Portugal não existia nenhuma formação deste género de software, tanto que eu própria tive de recorrer a alguns cursos de plataformas internacionais. Portanto, considero que nos cursos de Design de Moda portugueses existe uma lacuna nesse sentido. Deve olhar-se para o futuro e incentivar os novos designers a investir na técnica 3D.

Sobre a ESAD… A coordenação do curso de moda analisou o meu perfil de LinkedIn e contactaram-me para perceber melhor o tipo de trabalho que eu estava a desenvolver e a respetiva importância. A partir daí consideraram interessante inserir uma aprendizagem de um software 3D na ESAD, como forma de dar continuidade ao plano curricular aplicado na licenciatura de Design de Moda, permitindo aos alunos que tivessem interesse em participar e continuar os estudos com esta vertente. Este curso de curta duração, que ao mesmo tempo serve a comunidade ESAD e os parceiros ESAD, também está disponível para todas as outras pessoas que queiram atualizar as suas ferramentas, muitas já estão no mercado de trabalho e querem complementar a sua formação com este conhecimento. Este curso de curta duração chama-se Clo 3D porque é precisamente o nome da plataforma que se utiliza nas aulas.”

Nota: podem seguir o trabalho de Daniela Nascimento através da sua página de Instagram.

Curso de Curta Duração da ESAD

A coordenação do Curso de Curta Duração Clo 3D, assume que a iniciativa não é uma resposta para todos os problemas da Indústria da Moda, mas é parte da solução para a “diminuição do impacto destrutivo” das práticas atuais. Com esta formação, os designers e futuros designers de moda, poderão desenvolver técnicas para a criação de um protótipo virtual desde o processo de modelagem.

O Curso de Curta Duração Clo 3D foi um dos primeiros sobre esta temática a surgir em Portugal e é lecionado em regime pós-laboral. (consultar a ESAD para verificar datas da próxima edição e as vagas disponíveis).

Uma área em constante mudança

O futuro da Indústria da Moda já começou a ser traçado, resta às marcas investirem em inovação para melhorar a produção, gestão das suas equipas de trabalho e terem um maior controlo na sustentabilidade ambiental, económica e social dos seus projetos. Por outro lado, aos consumidores cabe o papel de se ajustarem também à “nova realidade” ao pensar nas vantagens para si: poupar tempo a experimentar peças de roupa, mais confiança na compra online e investimento em melhores produtos.

Esta é uma temática em constante mutação e com muitos exemplos e perspetivas para compreender e apresentar. Por isso, este é o primeiro de uma série de artigos, reportagens e entrevistas onde a FashionHub vai explorar as potencialidades do Design 3D e da Inteligência Artificial na Moda, com especial enfoque no que é elaborado pelas marcas e empresas portuguesas. Nesta jornada, vamos também acompanhar mais iniciativas de implementação destas ferramentas, como cursos e formações que surgiram nos últimos tempos.