Como é que se avalia a sustentabilidade de uma marca de moda?

A sustentabilidade não corresponde a apenas uma característica de determinada marca, nem pode ser medida com base num único parâmetro considerado “mais responsável”.

Posted by FASHIONHUB Setembro 20, 2024

A sustentabilidade não corresponde apenas a uma característica de determinada marca, nem pode ser medida com base num único parâmetro considerado “mais responsável”. Talvez não exista uma resposta concreta e fechada para a questão que dá título a este artigo. Possivelmente nenhuma marca é 100% sustentável, se analisarmos a fundo toda a sua atividade, mas há marcas que, pelo menos, se esforçam todos os dias para tentar ser mais responsáveis. Existem diversos fatores que devem unir-se para abranger todo o ciclo de vida das peças de roupa. Em seguida, apresento alguns indicadores que devem ser estudados e analisados tendo em consideração a realidade de cada marca: matéria-prima; práticas de produção; segurança do trabalhador; qualidade; perspetivas de fim de vida; comunicação de marca.

O objetivo é que da próxima vez que fores às compras consigas fazer uma reflexão sobre alguns aspetos e analises, dentro do possível, os parâmetros mencionados. Obviamente, estaremos apenas a contar com a informação que é fornecida pelas marcas, na qual temos de confiar e encontrar mecanismos de defesa contra possíveis estratégias de greenwashing. O Passaporte Digital de Produto está cada vez mais perto de ser implementado na plenitude de todas as suas funcionalidades, porém ainda não é uma realidade em todos os mercados, por isso resta aos consumidores tentar efetuar as melhores escolhas.

Contudo, estas são questões que não nos ocorrem quando entramos numa loja. O consumidor interessa-se por uma peça de roupa/calçado/acessório devido ao seu design, cor, se lhe fica bem e, acima de tudo pelo preço, só depois analisa a etiqueta para verificar outras características do produto. No entanto, as compras por impulso são ainda muito recorrentes, daí a necessidade de mais informação e conhecimento para gerar mais reflexão e uma possível alteração no comportamento de compra.

Não vamos deixar de comprar fast fashion de um dia para o outro, provavelmente nunca vamos deixar de consumir marcas desse segmento, mas é preciso estar atento. Para isso, devemos verificar que produtos dessas marcas poderão ser mais resistentes. A durabilidade é sempre um fator importante em qualquer produto, mas também é necessário conhecer mais alternativas de slow fashion e marcas portuguesas, ou seja, entrar num esquema em que a qualidade/preço consegue suportar as nossas necessidades e, com esse equilíbrio, ajustar as nossas compras seja qual for a marca que estivermos a comprar.

Contudo, quando se aborda a questão da sustentabilidade, não se trata apenas da composição das peças de roupa, independentemente de se tratar de uma marca de fast fashion ou não. Tem a ver com a combinação de responsabilidade social, ambiental e financeira – os três pilares da sustentabilidade. As matérias-primas acabam por ser o fator visível e palpável das peças de roupa, mas é igualmente importante saber mais informação sobre as práticas de produção, nomeadamente que técnicas são utilizadas, a forma de tingimento, a quantidade de água e energia que é gasta, os produtos químicos utilizados; as condições de trabalho dos funcionários que estão a confecionar os produtos e a operar a maquinaria; o fim de vida das peças de roupa, ou seja, se a marca consegue que as peças sejam recicladas, ou de que forma esses produtos podem ser reaproveitados ou arranjados (caso exista solução); por último, mas não menos importante, a comunicação da marca, ou seja, se a marca comunica de forma honesta e correta sobre as suas práticas de produção e restantes características mencionadas.

Em seguida, compreende melhor cada um dos indicadores:

Seleção das matérias-primas

O material desempenha um papel importante na sustentabilidade de uma peça de roupa – o que é e de onde vem. As matérias-primas podem derivar de plantas, animais, combustíveis fósseis, entre outros. Cada fonte têxtil tem diferentes níveis de impacto, quer no fornecimento das matérias-primas, quer na sua origem. A matéria-prima determina o percurso e o potencial da peça – por exemplo, se em fim de vida útil pode manter a qualidade e ser reaproveitada ou ser reciclada. Idealmente, um material sustentável provém de um recurso renovável e terá um impacto ambiental limitado, desde que é usado pelo consumidor até ao fim de vida.

As matérias-primas a evitar: acetato, acrílico, elastano, licra, nylon, poliamida, poliéster, teflon, entre outros.

Queres saber as vantagens e desvantagens do algodão orgânico? Entender melhor como se faz couro vegano? Sabias que as fibras de café, coco, laranja banana, ou ananás são ótimas para produzir determinadas peças de roupa e calçado? Podes saber mais pormenores sobre as matérias-primas amigas do ambiente, através do Glossário de Moda Responsável e nos próximos artigos da FashionHub.

Práticas de produção

Embora a matéria-prima seja importante, também importa o que acontece ao tecido durante o processo de produção. A fabricação visa reduzir o desperdício têxtil? Durante o tratamento dos tecidos são usados produtos tóxicos? Como estão as fábricas a utilizar os seus recursos e a gerir o seu ambiente? Todos estes fatores impactam a sustentabilidade de uma peça de roupa. Por exemplo, um material natural como o algodão orgânico pode ser tratado com corantes e produtos químicos que prejudicam as suas características ecológicas. Sendo o próprio algodão orgânico considerado um problema quando a questão é a quantidade de água utilizada no seu cultivo, podendo ser melhor utilizar outras opções mais amigas do ambiente.

Para o consumidor é difícil entender que processos são mais sustentáveis do que outros, menos ainda de saber que quantidade de água e energia é utilizada para a produção das calças que tem vestidas. No entanto, as marcas começam a ter uma comunicação mais aberta sobre as suas práticas de produção. Neste aspeto, o Passaporte Digital de Produto poderá ser uma mais-valia, pois através de um código QR, os consumidores podem saber a história de um produto – desde a escolha das matérias-primas, saber quem foram os funcionários que o produziram, em que circunstâncias, as técnicas utilizadas, entre outros fatores.

Enquanto este mecanismo ainda não se encontra totalmente em funcionamento é da responsabilidade das marcas comunicarem de forma honesta, e aos consumidores cabe a função pesquisarem informação e questionarem as marcas diretamente.

Segurança do Trabalhador

A Moda Sustentável não existe sem o tratamento ético dos profissionais em toda a cadeia de valor. Os trabalhadores dos setores têxtil e calçado devem receber um salário digno e garantir que a sua saúde e segurança são preservadas no ambiente de trabalho. As fábricas precisam de ser mantidas em boas condições, a gestão segura de produtos químicos deve ser cuidadosamente respeitada e os trabalhadores têm direito a pausas e a um ambiente onde possam garantir integridade física e mental. Isto também significa que os trabalhadores precisam de meios para relatar problemas sem medo de repercussões negativas.

Qualidade

Uma indústria da moda que se diz sustentável significa que proporciona as condições certas para se criarem peças de roupa mais resistentes e com maior durabilidade, em vez de serem rapidamente descartadas e enviadas para aterros. Isto significa que as peças de roupa devem ser desenvolvidas com matéria-prima onde a durabilidade é um requisito fundamental e o acabamento e tingimento da roupa deve ser efetuado com mão-de-obra qualificada e com técnicas e maquinaria que reduza o impacto ambiental destas ações, nomeadamente o consumo de energia, água e a não utilização de produtos tóxicos.

Fim de vida útil das peças de roupa

Uma parte que é esquecida da sustentabilidade é o potencial de fim de vida de uma peça de roupa. Será que pode ser reciclada ou reutilizada? Existem sistemas para garantir que as roupas não acabem em aterros? A marca está a trabalhar para a circularidade e a assumir a responsabilidade pela fase pós-consumo da peça de roupa?

Estas são questões sobre as quais as marcas têm de dar mais atenção e investimento.

Por outro lado, o consumidor deve procurar soluções para arranjar peças de roupa, seja colocar um fecho ou desenvolver uma peça nova a partir de outra que já não serve para a finalidade que foi comprada, por exemplo, através da técnica upcycling. Em caso de dúvida tenta contactar um profissional componente, como uma costureira, para executar esse trabalho, ou podes contactar a marca onde compraste o produto e perceber se te oferecem algum apoio nesse sentido.

Comunicação de marca

As marcas de moda sustentável devem utilizar práticas de comunicação e marketing responsáveis. Isso significa que devem evitar o greenwashing e ser transparentes sobre as práticas de responsabilidade social e ambiental. As marcas classificadas como “sustentáveis”​​ também devem estar atentas à forma como participam na cultura de consumo. Frequentemente, optam por ter estratégias de venda e marketing baseadas na urgência, projetadas para gerar compras por impulso, o que claramente é um erro e pode correr mal quando o objetivo era promover um consumo mais consciente.

A Moda Sustentável

Todos estes fatores unem-se para criar sustentabilidade e ética na moda. Sem uma tomada de decisão intencional em todas estas fases de produção e venda de roupas, as marcas não conseguem realmente cuidar das pessoas que interagem com as roupas e com o impacto ambiental.

O material influencia a qualidade e determina as práticas de produção. O modo de fabricação impacta diretamente a segurança do trabalhador. Todos os indicadores referidos ao longo deste artigo criam um caminho de fim de vida e responsabilidade por parte das marcas, por isso devem ser abordados intencionalmente e em consciência.

Da mesma forma que analisamos todas as características de um smartphone antes de o comprar, tendo em consideração a reputação da marca, a memória do telemóvel, as definições da câmara fotográfica, entre outros aspetos. Por que não teres o mesmo cuidado da próxima vez que precisares de comprar uma camisola, ou outra peça de roupa?

Para o consumidor, uma das piores partes deste processo é tentar descobrir se um marca é sustentável ou não. Com práticas de greenwashing constantes e a linguagem vaga em torno da moda sustentável, pode ser impossível descobrir isso. As marcas devem trabalhar com base em estratégias de marketing e comunicação verdadeiras sobre as suas práticas.

A sustentabilidade não depende apenas de um ou dois fatores. Requer consideração e intencionalidade em todo o ciclo de vida de uma peça de roupa.

Já olhaste para a etiqueta do que tens vestido hoje?

Certamente não, mas desafiamos-te a fazê-lo: verifica a composição das peças e a origem da produção.

Se estiveres a chegar à conclusão de que andas a fazer as escolhas erradas, estás sempre a tempo de mudar a atitude. O importante é que agora já aprendeste/consolidaste alguns critérios a ter em consideração quando vais às compras. Esperamos que o ato de pesquisar e de te informares mais sobre as peças de roupa comece a ser tão satisfatório quanto o ato de comprar.

Tudo o que compramos tem um impacto!

Podes consultar também o artigo “Como é que sei se uma peça de roupa tem qualidade?”, para complementar a informação apresentada.